SANTA FEIRA DO LARGO


Domingo de manhã, abro os olhos mas não consigo me mexer, “a ressaca hoje vai ser mesmo de doer”. Procuro olhar para mim e conferir se não tenho nenhum machucado, ou membro faltando. Relembro flashes da noite anterior; ninguém morreu, não fui preso, gastei uma fortuna, tudo bem estou inteiro, são e salvo em casa... Não! Eu tenho que levantar e sair daqui agora mesmo. Hoje é dia de Feira. Já devo estar atrasado e dificilmente perco uma feira do Largo da Santa Cecília.

Onze e meia da manhã de um domingo qualquer. O sol nessa época, a essa hora, é realmente de rachar, procuro me esconder dele de qualquer forma, sinto uma forte dor de cabeça, meu corpo está exausto e minha boca seca como a vida em um defunto. Venço passo a passo a distância de 300 metros entre minha casa e a feira do Largo. Sofro cada centímetro. Apesar do desconforto essa igreja, esses mendigos, sempre me trazem lembranças da infância e da minha adolescência rebelde.

Freqüento essa feira com minha mãe desde meus 7 anos. Me lembro que aqui tinhas duas feiras, uma de sexta feira (a única a noite) e outra de domingo. As duas eram em baixo do Minhocão (Elevado costa e Silva) Aonde hoje é um terminal de ônibus. A feira de sexta não existe mais, sinto muita falta de uma
barraca de fogazza que tinha nessa feira e eu nunca vi mais em lugar nenhum. Hoje em dia, acho que pela sujeira e por ser no meio da ”casa” de alguns moradores de rua, a prefeitura resolver passar a feira de domingo, para a rua de frente do Largo da Santa Cecília. Agora ela começa na Rua das Palmeiras e vai até
o final da Rua Sebastião Ferreira. Ficou mais bonita ao ar livre, e acho que mais limpa também. Mas isso nunca foi o mais importante pra mim.

Nada mudou em relação a democracia forçada que permanece nela; onde a classe média se esbarra com os “dingos”, bêbados e pedintes. Um pede o pastel, outro dinheiro pra comer, outra dinheiro pra comprar remédio... Aff! as vezes o clima fica tenso. Senhoras com suas sacolas e carrinhos disputam espaço em meio a loucura de sabores da feira. Já vi gritaria e corre e corre nesse choque de classes mas isso faz parte da emoção.

As cores, cheiros (bons e ruins) e barulhos, vão me deixando cada vez mais excitado, me preparando para mergulhar nesse mar de gente. O barulho está levemente mudado, pois agora existe uma lei que proíbe os feirantes de gritar, mas eles dão um jeitinho de soltar uma piada pra gostosa, tirar uma com a cara
de algum desavisado e exaltar a qualidade do seu produto, apesar de na sua maioria virem do mesmo lugar (CEASA).

Uma feira como outra qualquer... Não para mim. Grande parte dessas pessoas que fazem a feira e as que trabalham nela de domingo, já freqüenta aqui de longa data e me são tão familiar, como a senhora das flores que me viu crescer carregando todas as flores que minha mãe conseguia comprar na hora da xêpa, o mal humor do vendedor de bananas que sabe que vou pechinchar e querer umas pra comer agora e outras pra comer daqui alguns dias, ou da Kombi que conserta panelas e afia todas meus cortadores de unha na mesma pedra que afia as facas das donas de casa, sempre me sorri com alguns dentes faltando, dentes que vem diminuindo a cada ano que passa. Tem também as japas do pastel que me chamam pelo nome e puxam conversa sobre minha mãe e que eu explico toda vez que ela já não mora mais no bairro a anos, mas elas nunca se lembram.

Minha ressaca e sede me fazem sorrir paras japas do pastel com uma simpatia cortante e delicada, que se faz entender em; um pastel de queijo pelo amor de Deus. Peço um litro de garapa gelada com limão na barraca ao lado, e levo pra me sentar a sombra na barraca do pastel, perto das pimentas e dos vinagretes,
proibidos pela lei de acordo com as subprefeituras de alguns bairro. Não pode. Mas eu adoro, e aonde eu compro meu pastel sempre tem. Em especial um vinagrete muito apimentado que me faz suar e sentir arrepios. O queijo derretido, a massa crocante, o vinagrete apimentado me enchem de emoção e nostalgia. A garapa, faço questão de tomar o litro todo ali mesmo, no próprio gargalo como se não houvesse nada melhor no mundo. O açúcar começa a correr novamente em minhas veias, o nível de glicose aumenta a tremedeira diminui e eu já estou pronto para “feirar”....

Sigo de uma ponta a outra da feira todas as vezes, mesmo que não tenha a intenção ou dinheiro pra comprar mais nada. Gosto muito de passar pelos peixes e carnes do outro lado da feira, ver os pescoços de galinha ao lado da grande peça de fígado de boi, esperando pra ser cortada de acordo com o gosto
do freguês, e tudo o mais arrumados com bastante esmero, tentando chamar a atenção da clientela, sempre dou uma olhada em quanto está o preço do vôngole, acho uma delicia conversar com o feirante dos temperos e fazer um blend especial de acordo com meus gostos ou comprar ovos caipiras e legumes
orgânicos na “barraca dos sem agrotóxico” essas coisas também fazem parte das minhas tradições, criada ao longo de muitos anos. Conheço e sou conhecido em minha feira, a considero minha. Porque ela faz questão de me cativar me fazer lembrar de um tempo em que eu via essas barracas de baixo com um misto
de curiosidade e timidez, e de todas as vezes que cheguei direto das noitadas com a boca salivando, e passava direto na feira antes mesmo de voltar pra casa. CATIVAR leva tempo.


O Nosso amor tem altos e baixos, eu sofro quando chego e já está na hora de desmontar as barracas, fico puto quando alguma velinha passa o carrinho de feira em cima do meu pé e nem pede desculpa, é muito triste ver tantas pessoas necessitadas mendigando na feira, mas amo quando começa a chover e todo
mundo corre vira tudo uma grande bagunça e o preço dos produtos despencam, essas coisas marcam a minha vida e minhas lembranças. O que te faz tão especial ó Feira do Largo da Santa Cecília, é o fato de morar em meu coração e fazer parte do meu cotidiano ela me viu crescer e eu a vi se transformar. Eu tive
paciência com ela assim como ela teve comigo, Gosto de dela assim, com todos os pormenores.

Já recobrados os sentidos começo a reparar; nossa como tem mulher bonita fazendo a feira por aqui hoje.




Originalmente escrita para:
http://santaceciliasantainsone.blogspot.com.br/

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